terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"A Margarida"

Ela nasceu para ser mulher de um homem só.
Mesmo nas noites em que ficava na varanda
esperando aquele homem chegar cheirando
perfume barato, nunca pensara em dividir
sua cama com outro homem.
Havia se casado com as bênçãos da santa madre
e iria até o fim da vida daquele jeito.
Esperaria tantas noites quando aguentasse acordada
para ter um pouco do amor daquele homem.
Era uma rotina que doía na alma.
Horas e horas sentada na varanda,
olhando o céu a espera
de uma estrela cadente.

Fazia apostas com o céu.
Se uma estrela rasgasse o céu, é porque ele
já estava cruzando a esquina.
Mas, nem a estrela cruzava o céu e nem
ele estava na esquina.
Não faz mal.
Não se deve fazer apostas com o céu.
Mas se um cachorro latisse até ela contar até dez,
então ele chegaria e a beijaria como nunca.
O cachorro não latiu.
Noites e noites.

Às vezes ela dormia cansada de tanto esperar.
Ele chegava e não queria acordá-la.
Dormia tão bonito que era uma pena despertar
uma mulher tão linda.
E lá ia ele para o quarto e ela lá fora, na varanda,
até o sol começar a aquecer seu rosto e ela despertar.
O café da manhã, que sempre acalma a alma,
só fazia esquentar a discussão que acabava quase sempre
com olhos marejados, boca trêmula e arrastões
violentos até a cama.
Era o jeito dele de parar a briga e o dela de ter algum amor.
Parecia doença.
Ela precisava do jeito brutal dele e ele precisava de todo o
envergonhamento dela.

Excitava-se muito quando via que ela cruzava os braços
na altura dos seios para escondê-los.
Ficava enlouquecido quando ela se agachava, nua,
para que ele não olhasse tanto suas pernas nuas,
sua barriga, suas nádegas.
Era sempre tudo muito rápido.
Nem beijo havia.

Às vezes ela achava que seria a última vez.
Mas ela não teria nunca coragem de dizer a ele
o que queria.
Tinha medo da violência dele.
Submetia-se ao amor rápido, sem carícias a não ser
aquelas estritamente necessárias para a excitação dele.

A noite caía, igual a anterior, e ela estava lá na varanda.
Esperava por ele.
Na rua, alguns homens passavam e olhavam para ela,
ali a espera.
Um fez gracejo, outro assobiou, outro abriu o portão.
Esse chegou à varanda.
Ela, assustada, ficou em pé.
Seu corpo tremeu, sua boca umedecida se abriu
para dizer alguma coisa, mas foi calada
por um longo beijo.
Não reagiu.

tregou-se ali mesmo, na varanda, onde tantas noites sentiu
frio e sono e esperou.
Mas hoje é diferente.
Ela descobriu, finalmente, que seu nome era Margarida.
E as margaridas adoram ser desfolhadas.

Maria Flor
✿ܓ


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