quinta-feira, 29 de outubro de 2009

"A Bruxa e o Guerreiro Feiticeiro"

I -
A tarde estava cinza, os dias ficavam cada vez mais curtos.
No pequeno povoado os homens estocavam mantimentos e todo o tipo
de carne aguardando o inverno rigoroso.
A Bruxa seguiu junto dos homens com seu arco e flecha para mais
um dia de caça.
Nenhuma mulher se aventurava as caçadas com os homens, mas a Feiticeira
tinha permissão devido a grande precisão de seu tiro ao alvo.
Praticava arquearia com perfeição.
Vestida com botas e chapéu mais parecia uma pintura tirada de um daqueles
livros de história antiga, onde o sonho se mistura com a realidade.
A sua vida entrou em rotina entre as caçadas e a noite na colina onde se pendurava
na lua para fazer companhia as estrelas.

Naquela tarde quando estava no campo entre os homens sentiu dor, não no corpo
físico porque este parecia saudável.
Mas aquelas dores que a acometiam de vez em quando...
Pensava no Guerreiro de maneira ardente, o ritmo das passadas do cavalo acelerava
o seu coração, quando chegaram ao local onde se dava a caçada, envolveu-se na mata
e fechou os olhos para ouvir melhor e sentir a presença do animal que ela mataria.

Abriu lentamente as pálpebras e vários cervos estavam dispostos, e com facilidade

detonou suas flechas, derrubando os animais que em vão tentavam fugir.
Diante do cenário que ela tinha desencadeado os homens silenciaram e pasmos

não conseguiam acreditar que aquela mulher, espetacularmente, derrubasse tantos
cervos e com tanta rapidez.
Tingiu a relva da planície com sangue enquanto todos correram e gritavam de alegria.

Voltaram cantando e tomando vinho e a Feiticeira estava rindo não de felicidade,
mas da vitória bem sucedida em que ela tinha construído.
Aumentaram e muito os suprimentos para o inverno.

II –

O segredo da Feiticeira.

Silenciosa deitou no chão.
Olhou as estrelas e alcançou em pensamentos uma estrela brilhante.
No alto da colina onde o Guerreiro construíra uma casa para ela.
A feiticeira era rainha e sentia-se totalmente livre e imensamente solitária.
O Guerreiro fugia do amor, era um homem ocupado com suas lutas diárias,
era cansativo encantar um homem normal.
O Guerreiro era mortal, e ela pertencia ao reino dos não humanos.
Ela morava além, onde a morte era uma passagem e a vida apenas

ficava em baixo.
O Guerreiro não conseguia entender o amor da Feiticeira, se deixava enfeitiçar

e depois voltava as suas lutas comuns.
Seu cavalo, seus soldados, seu campo de batalha.
Ele morreria um dia lutando, talvez com uma lança cravada no corpo e era

só isso que ele entendia.

Mas houve um tempo que a Feiticeira encontrou um grande Bruxo.
Nesta noite sozinha lembrou-se daquele homem, que era seu segredo.

Deitada ali e sentada lá na grande estrela brilhante a Feiticeira sonhou com

o Homem Bruxo.
Era diferente do Guerreiro, ela amava o Guerreiro, mas o Bruxo tinha asas

fortes e ponte agudas.
Encontrou a Feiticeira ainda na cabana onde morava sozinha na mata.
Antes muito antes da casa da colina.
Em pleno dia atraiu a feiticeira para dentro da mata e apertando seu corpo

com força alçou voo para um lugar muito distante.
Na mesma tarde o Guerreiro procurou a Feiticeira.
Fez uma busca alucinada sem resultado.
O mundo que o Grande Bruxo a tinha levado não pertencia aos humanos.

A Feiticeira pensava no Guerreiro, mas o Homem Bruxo tinha muito poder.
Naquela tarde e muitas outras que se seguiram ela fez amor com o grande Bruxo.

Aprendeu muitos encantos, sortilégios, rituais.
Nunca teve medo do Homem Bruxo, embora sua aparência fosse significativamente

assustadora.
Mas por vezes ficou com pena dele.
No fundo dos seus olhos ele tinha um brilho que somente as crianças de colo possuem.

Descobriu então que o Homem Bruxo estava muito doente.
Não tinha medo da morte, eram seres encantados, e a morte não tinha nenhum significado.

Numa tarde depois que se amaram, ela viu o espírito do Homem Bruxo
saindo do corpo, então ele a puxou pela mão e também saiu do seu corpo para
nenhum lugar.
Na densidade de planos voltaram a vidas passadas.
Ela uma cigana escrava chorava de dor, ele um árabe frio prendia a mulher por ciúmes
e loucura.
Ficou tão assustada por se ver assim tão frágil, que pediu para voltar.
Mas o Homem Bruxo a fez ficar.
A cigana passava por privação de comida e água, castigos impostos pelo amante árabe.

Era escrava, estava doente, e dormia na chuva.
Mas arrependido agora na forma de espírito encontrava novamente a cigana
evoluída e senhora dos seus poderes, uma Feiticeira.
Voltou à forma humana, ele chorava.
A Feiticeira não acreditava que o Homem Bruxo com tanto poder e descomunal

força pudesse chorar por ela.
Mas era isso que estava acontecendo.
Depois daquele dia nunca mais encontrou o Homem Bruxo.
Procurava por ele, mas não tinha encontrado o mínimo vestígio.

Agora naquela noite mais uma vez procurou por ele no espaço onde apenas os seres

alados habitam.
Chamou o Homem Bruxo, ouviu sua voz, mas era apenas uma voz e não

tinha corpo nem alma.
E desejou ardentemente a volta daquele ser para acordar da realidade,

para fugir do grande amor que sentia pelo mortal Guerreiro o Homem Bruxo,
seu eterno amor...

Maria Flor!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

"Silêncio" (Um Conto)

No principio era o silêncio...
O silencio enchia a paisagem negra e vazia,
Enchia de ecos de nada, uma coisa que tinha gosto de solidão.
Enchia as imensas galerias no ambiente sem teto ou chão,
só não enchia o coração dela que caminhava por esse ambiente
estranho a passos largos, e quando percebeu seus passos
então percebeu o chão, e percebeu que ele estava molhado.
"o chão está pegajoso", pensou, e nesse momento a chuva começou
a cair como uma cortina.


Ela viu as gotas caindo antes de senti-las em sua pele,
e de repente já não era tudo escuro, e sim um imenso mar

onde não era possível distinguir o tapete de águas ou
a cortina de lagrimas do céu.
Ela andava sobre as águas, mas de um momento para outro já não
eram águas que seus pés tocavam, e sim ilhotas, que logo se
transformaram em ilhas menores e disso para extensos de terras vazias.
Grama, arbustos, árvores e então imensos eucaliptos desde a encosta
da colina até o horizonte nas grandes montanhas.
Ela tocou na casa de uma árvore, e pequenas pernas rastejantes
se arrastaram pela sua mão.
Mariposas e pequenos pássaros sobrevoam o ar e barulhos de animais

silvestres se arrastavam no chão da floresta.
Ela pressentiu antes de vê-lo, deitado enrolado no chão da floresta,
os olhos cerrados e o corpo em posição fetal totalmente nu,
mas sem frio, até que a noite viesse e com ela a incerteza, o medo,
medo do sono, medo da morte, medo da vida.

Mas então viria alguém parecido, e aqueceria suas costelas até o amanhecer,
e juntos formariam um casal: homem e mulher.

E a partir desse momento o mundo começou a morrer.


Maria Flor!