quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

(des) ENCONTRO...


- Um cigarro?
- Acenda, pra mim.
A chama do isqueiro; a brasa, começando a consumir

o papel e o fumo.
A fumaça subindo para a liberdade do ar,

e os pensamentos de cada
um procurando a sua própria liberdade.
A cama desfeita; o som preenchendo o quarto.
O brando reflexo da luz nas águas claras da piscina.

Todo um universo, entre quatro
paredes que delimitam um pequeno pedaço do mundo.

- Vamos tomar um banho?
- Vá indo; vou já.
Os pés no chão; o corpo bonito da mulher atravessando

o quarto, no balançar característico da fêmea
que se sabe atraente.
O homem, na cama, lança um rápido olhar às pernas

bronzeadas, admira a marca branca do biquíni
nas nádegas redondas.
Um gritinho:
- Ai! A água está fria! Mas tão gostosa!...
Um sorriso condescendente, no rosto do homem.
O sorriso de quem considera a mulher uma criança,

algo bonito que Deus criou para que o homem tenha

alguma alegria, em sua luta pela vida.
Mas, ao mesmo tempo, um sorriso triste,

de quem já viveu muito
e ainda não conseguiu começar a viver.
O corpo faz evoluções na piscina,

acompanhando o ritmo de “Café da Manhã”,
que as caixas de som continuam jogando no ar.


A mulher apanha a garrafa de champanha,
à beira da piscina,
e derrama um pouco na taça.
- Está triste?
- Eu? Não. Que idéia!
Mas a mulher insiste.
A intuição feminina lhe diz não existir hora melhor,

para se conhecer alguém,
do que no cigarro do “depois”;

quando as barreiras de cada um estão
afrouxadas pela gostosa sensação de saciedade,
que se segue à ânsia do desejo.
- Que há? Não foi bom?
O homem desiste de continuar pensando.


Apaga o cigarro no cinzeiro de vidro
e levanta-se preguiçosamente.
Lembra-se de haver lido, em algum lugar,

que cada pessoa tem um jeito
de reagir em seguida ao ato do amor.
Nu, enche de champanha uma taça e senta-se

na borda da piscina, com os pés dentro da água.
- Claro que foi; você faz muito bem.
- Você também;

e não estou querendo retribuir o seu elogio.
Mas parece que isso não é tudo.

Ou, pelo menos, tudo o que você queria.
Que foi que faltou?
- Nada, claro. Por que você pergunta isto?
- Porque estou vendo em seu rosto;

é como se uma parte de você estivesse satisfeita,
e a outra não.

O que é?
- Você é engraçada!
- Menos do que você.

- Que horas são?
- Três da manhã.
- Então, nos conhecemos há pouco mais de quatro horas,

naquela festa.
E estamos aqui, no motel, já fizemos amor...

já temos a nossa história.
E seus olhos continuam com a mesma tristeza.
Por que?
Uma olhada nos seios fartos e firmes,

que parecem flutuar
na superfície da água.
O homem se volta para acender outro cigarro,
em busca de alguns segundos para pensar.
E responde:
- Talvez por isto mesmo;

porque tudo não passa de algo que não
sabemos o que é.
Você é tão bonita!
Mas é como se a gente desfrutasse a beleza

num banco de carro, ou num quarto de motel...
e, depois, fica este gosto amargo na boca;
algo assim como se pudesse ter sido melhor,

você entende?
O champanha fazendo efeito.

O corpo nu torna a pessoa mais sincera,

como se junto com a roupa se despisse
uma parte dos preconceitos, da natural defesa
que cada um de nós tem contra todos os outros.
Ambos se predispõem a confidências;

em cada um existe aquela ferrenha necessidade
que o ser humano sente,
às vezes, de se fazer entender.
Como se alguém pudesse entender completamente

outra pessoa!
- Claro que entendo.


E é por isto que estou procurando conhecer você melhor.
Pode parecer engraçado, mas nem me lembro do seu nome.
- Fácil. Eu me chamo...
- Esqueça.
Na verdade, não me interessa o seu nome.
Um nome não passa de uma grande mentira,

atrás da qual nos escondemos para conviver com os outros.
E eu quero conhecer você; não quero que se esconda atrás

de um nome que não quer dizer nada.
Prefiro que você me fale, me olhe, me deixe descobrir

o que pensa.
Nos olhos do homem, uma luz de curiosidade.
E atração pelo desconhecido, que já se desfizera na ilusão

de posse, recomeça a surgir, de mistura a um impreciso temor.
Porque todos tememos aquilo que não conhecemos,

ou não conseguimos dominar; e, ao mesmo tempo, o adoramos;
ou não tem sido este o princípio básico das divindades,
em todos os tempos?
- Você gosta de filosofar?
- Tanto quanto você, ou qualquer outra pessoa.
Mas tenho a coragem de assumir os meus pensamentos,
e vocês têm medo de fazer isto.
Não é muito mais fácil pensar que tudo se resume a coisas reais,

que podemos tocar e controlar?
Basear a vida em aparências, dinheiro,

posição social e sexo pelo prazer?
São os valores que a gente assume, é a grande mentira

que tentamos aceitar,
o que nos deixa esse amargor na boca e na alma.
- Isto não lhe agrada?
- Às vezes; quem é que não gosta de pensar que pode fazer a sua vida,
decidir o seu destino?
Mas, de vez em quando, é preciso encarar a verdade e ver que

as coisas que chamamos de realidades não passam de ilusões,
e o que faz a nossa felicidade ou nos traz sofrimento são as coisas
que preferimos considerar como ilusões.
Pensativo, ele sorve um gole de champanha.
E a voz dela, embora suave,

lhe causa um pequeno sobressalto:
- Estou com frio. Me dá essa toalha?
Levanta-se e atende.
Ela sai da piscina, envolve-se no pano macio,

curva-se e acende um cigarro.
Depois, recostada na cama, acompanha com o olhar as espirais

caprichosas da fumaça.
Meio intimidado, o homem também sente necessidade de cobrir-se;

enrola a toalha na cintura e senta-se ao lado dela, na cama.

- Sabe que você pensa de um jeito esquisito?
- Talvez; mas vejo que você está com medo.
De mim, ou de ver que estou lhe mostrando algo que você sente
e prefere ignorar?
- Por que você veio comigo, então?
- Porque gostei de você.
Porque você é bonito e me pareceu um menino perdido,

brincando de adulto.
Porque senti que você precisava de amor.
E, agora, estou feliz por ter vindo; e por estar com você.

A mão delicada ensaia uma carícia, no rosto confuso,
e os lábios pousam sobre os cabelos curtos e revoltos.
Flutuam no ar os acordes de “Proposta”, que agora parecem

significar mais do que e costume.
A proximidade dos corpos reacende o fogo do desejo,

agora mais manso
e verdadeiro com o início do conhecimento.
A toalha escorrega dos ombros dela, os seios ficam

novamente expostos.
Os dedos do homem afagam carinhosamente um dos mamilos,

sentem a sua dilatação suave; descem para o umbigo,

e continuam a sua trajetória pela pele macia.
A memória traz de volta os sonhos do menino,

as suas ilusões sobre a vida;
coisas que o tempo e a necessidade de viver haviam levado
para sempre.
Uma pausa nas carícias, a lembrança de uma pergunta importante.
E a voz da mulher:
- Você acredita em amor?
- Acredito que você está aqui, e eu estou querendo você.
Acredito na atração pelo seu corpo, nas reações que sinto

no meu próprio corpo; parece que já acreditei em outro tipo de coisa,
há muito tempo.

O que você chama de amor?
- É algo que negamos e procuramos todos os dias.
É a necessidade de possuir uma pessoa de corpo e alma,

enquanto esperamos que ela não se deixe possuir inteiramente,
pois isto traria a morte do nosso sentimento.
É a emoção de olhar nos olhos de alguém
e sentir uma comunicação invisível e presente,

que através dos nossos próprios olhos encontra a nossa alma.
É a presença na ausência; o tudo que pode virar nada ou o nada que,

de repente, se torna tudo.
E é, também, o que estamos fazendo: esses seus beijos em minhas

coxas e as sensações que me causam; é a ânsia do desejo e a ternura
satisfeita da saciedade temporária.

É a diferença do gosto de cinza, na boca e na alma,

e a felicidade da comunhão total,
depois do orgasmo.
Sou eu, é você; é a parte mais devassa e pura,

mais alegre e triste, mais importante e escondida de cada
ser humano.

Esquecidas as toalhas, as peles se encontram.
Sob a ação dos afagos, os corpos se arrepiam e as vozes

se tornam roucas.
Algo impreciso, uma sutil mudança na relação entre os dois;

uma sensação de companhia, de complementação,

de que nenhum deles voltará a estar só.
A voz de Roberto Carlos escapa das caixas de som:
“- ... eu estou aqui, vivendo este momento lindo...”.
E o homem e a mulher se encontram,

se perdem um no outro.

Juntam seus corpos e misturam seus sonhos.
Gemem e sorriem, sabendo que depois este momento

haverá mudanças em ambos;
que nada será como antes.
No ambiente, como que uma aragem mágica.
E, por entre os sussurros, uma palavra apenas murmurada

se destaca das outras, como um grito confiante e desesperado,
e parece deter-se no ar,
flutuando sobre os dois:
- Amor!...

Maria Flor ჱܓ



"Magia"


Lá fora, o frio da noite que chega.
Aqui dentro, o fogo da lareira; as chamas crepitam,
e o seu calor aquece o grosso tapete,
sobre o qual nos sentamos para contemplar a dança das labaredas,
no mesmo ritmo imutável que vem desde o começo dos tempos.
Uma mesinha, com tampo de vidro.
Sobre ela, os queijos e os vinhos.
Silêncio entre nós;
aquele gostoso silêncio de quando não se precisa de palavras,
para compartilhar um sonho.
Uma leve e doce embriaguez.
A sensação de que nada existe lá fora, de que todo o mundo
(e, talvez, até o Universo!) se resume nesta sala,
onde somos Adão e Eva de uma nova Criação.

O tempo perdeu o sentido.
De que nos adianta marcar o tempo,
se sabemos que este momento mágico durará
para sempre em nós?
Existem momentos que fogem ao tempo,
porque se eternizam em nossa lembrança.
Olho em volta: as paredes de madeira, as estampas emolduradas de sempre.
Uma cabana como tantas outras, perdida entre as montanhas.
Talvez um lugar feito de encomenda para abrigar sonhos de uma noite,
como agora abriga os nossos sonhos.
Será que até os sonhos podem ser encomendados?

Meu olhar mergulha nos seus olhos brilhantes, e a pergunta perde a importância.
Que importa pagar por um sonho, se o sonho não tem preço?
Que importa quantos sonhos foram sonhados antes nesta cabana,
se é o nosso que sonhamos agora, e parece preencher todo o Universo,
como o calor do fogo preenche a nossa sala, e empurra o frio para a noite lá fora?

Seus olhos, seu rosto bonito; os dentes brancos, entre os lábios vermelhos.
Seu olhar também vagueia pelas paredes, mas parece distante,
como se pudesse enxergar um sonho a muito perdido nas dobras do tempo.
Será que é assim mesmo que está o meu olhar?
Talvez seja.
Diante dos sonhos, as barreiras caem; e estas paredes não são mais
que uma barreira contra o frio, lá fora.
Ou talvez sejam: é, talvez, a muralha que protege o nosso sonho
de um mundo onde o amor não tem lugar.

Coloco a minha taça sobre a mesa.
Apanho um pedaço de queijo, e uma idéia me ocorre.
Aqui estamos, só nós dois, isolados do mundo; entretanto,
a solidão não tem espaço em nossa cabana, porque não existe em nossa alma.
Quantas pessoas, ao redor da Terra, cercadas por outras pessoas,
sentem neste instante a dor da solidão?
E isso acontece por que a solidão está em suas almas.
Olho para você.
Mordisco o queijo, e o seu sabor parece espalhar-se por toda o meu eu;
quase diria que me traz uma sensação de felicidade.
Quando estamos felizes, tudo nos faz sentir essa felicidade:
uma música, um perfume, um simples sabor.
Por que teimamos em perseguir a felicidade nas coisas do mundo,
quando ela está dentro de nós?
Você sorri, de retorno do seu devaneio.
Talvez, ao viajar pelo passado, lembrasse de quantos momentos bons e ruins,
quantos sonhos e desilusões, foram necessários para que chegasse a este instante
de pura felicidade.
Seus olhos brilham, quando pergunta:
- Me dá um pedaço de queijo?
Apanho um pedaço de queijo..
Coloco-o em minha própria boca, entre os meus dentes. Provoco:
- Vem pegar!
O seu sorriso se amplia, os seus olhos brilham ainda mais;
parecem aumentar de tamanho.
Levanta-se sobre o cotovelo; os seus dentes refletem o brilho do fogo,
enquanto se aproximam do meu rosto.
As bocas se encontram.
Afrouxo os dentes; com a língua empurro o pedaço de queijo para a sua boca.
A sua língua me devolve o queijo, e o amassamos entre nossas línguas.
Onde foi parar o queijo?
Não sei se o engoli, se você o engoliu, ou se foi dissolvido no fogo que arde em nós.
Agora o que sinto é o sabor da sua língua na minha; um gosto de desejo,
de sonho, de vida.
Um sabor de Amor.

Você usava uma blusa de gola alta; onde foi parar?
De repente o meu rosto está entre os seu peito nu,
como se ali fosse o meu ninho desde o início dos tempos.
Os meus lábios percorrem o seu pescoço, deslizam sobre sua pele,
demoram-se nos seus lábios num beijo ardente.
Estamos nus, ambos.
Como?
Não sei.

Tudo parece perder-se, esfumar-se numa neblina deliciosa e repentina;
um túnel que percorremos juntos, rumo ao coração do Universo.
O seu cheiro invade as minhas narinas, a sua pele arrepia a minha pele.
A pele encontra a pele, o cheiro encontra o cheiro, o desejo encontra o desejo,
o Amor encontra o Amor!
O mundo se dilui, o tempo pára.
Os sonhos se encontram, a Vida renasce.
Corpo e alma juntos nos encontramos em Um ao nos perdermos de nós dois.
Beijos, carícias, movimentos ritmados; a ternura encontra o desejo e, juntos,
compõem a Sinfonia do Amor.

No fogo da lareira, os nossos desencantos se queimam na fumaça que se perde no céu...

Maria Flor ჱܓ