quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Magia"


Lá fora, o frio da noite que chega.
Aqui dentro, o fogo da lareira; as chamas crepitam,
e o seu calor aquece o grosso tapete,
sobre o qual nos sentamos para contemplar a dança das labaredas,
no mesmo ritmo imutável que vem desde o começo dos tempos.
Uma mesinha, com tampo de vidro.
Sobre ela, os queijos e os vinhos.
Silêncio entre nós;
aquele gostoso silêncio de quando não se precisa de palavras,
para compartilhar um sonho.
Uma leve e doce embriaguez.
A sensação de que nada existe lá fora, de que todo o mundo
(e, talvez, até o Universo!) se resume nesta sala,
onde somos Adão e Eva de uma nova Criação.

O tempo perdeu o sentido.
De que nos adianta marcar o tempo,
se sabemos que este momento mágico durará
para sempre em nós?
Existem momentos que fogem ao tempo,
porque se eternizam em nossa lembrança.
Olho em volta: as paredes de madeira, as estampas emolduradas de sempre.
Uma cabana como tantas outras, perdida entre as montanhas.
Talvez um lugar feito de encomenda para abrigar sonhos de uma noite,
como agora abriga os nossos sonhos.
Será que até os sonhos podem ser encomendados?

Meu olhar mergulha nos seus olhos brilhantes, e a pergunta perde a importância.
Que importa pagar por um sonho, se o sonho não tem preço?
Que importa quantos sonhos foram sonhados antes nesta cabana,
se é o nosso que sonhamos agora, e parece preencher todo o Universo,
como o calor do fogo preenche a nossa sala, e empurra o frio para a noite lá fora?

Seus olhos, seu rosto bonito; os dentes brancos, entre os lábios vermelhos.
Seu olhar também vagueia pelas paredes, mas parece distante,
como se pudesse enxergar um sonho a muito perdido nas dobras do tempo.
Será que é assim mesmo que está o meu olhar?
Talvez seja.
Diante dos sonhos, as barreiras caem; e estas paredes não são mais
que uma barreira contra o frio, lá fora.
Ou talvez sejam: é, talvez, a muralha que protege o nosso sonho
de um mundo onde o amor não tem lugar.

Coloco a minha taça sobre a mesa.
Apanho um pedaço de queijo, e uma idéia me ocorre.
Aqui estamos, só nós dois, isolados do mundo; entretanto,
a solidão não tem espaço em nossa cabana, porque não existe em nossa alma.
Quantas pessoas, ao redor da Terra, cercadas por outras pessoas,
sentem neste instante a dor da solidão?
E isso acontece por que a solidão está em suas almas.
Olho para você.
Mordisco o queijo, e o seu sabor parece espalhar-se por toda o meu eu;
quase diria que me traz uma sensação de felicidade.
Quando estamos felizes, tudo nos faz sentir essa felicidade:
uma música, um perfume, um simples sabor.
Por que teimamos em perseguir a felicidade nas coisas do mundo,
quando ela está dentro de nós?
Você sorri, de retorno do seu devaneio.
Talvez, ao viajar pelo passado, lembrasse de quantos momentos bons e ruins,
quantos sonhos e desilusões, foram necessários para que chegasse a este instante
de pura felicidade.
Seus olhos brilham, quando pergunta:
- Me dá um pedaço de queijo?
Apanho um pedaço de queijo..
Coloco-o em minha própria boca, entre os meus dentes. Provoco:
- Vem pegar!
O seu sorriso se amplia, os seus olhos brilham ainda mais;
parecem aumentar de tamanho.
Levanta-se sobre o cotovelo; os seus dentes refletem o brilho do fogo,
enquanto se aproximam do meu rosto.
As bocas se encontram.
Afrouxo os dentes; com a língua empurro o pedaço de queijo para a sua boca.
A sua língua me devolve o queijo, e o amassamos entre nossas línguas.
Onde foi parar o queijo?
Não sei se o engoli, se você o engoliu, ou se foi dissolvido no fogo que arde em nós.
Agora o que sinto é o sabor da sua língua na minha; um gosto de desejo,
de sonho, de vida.
Um sabor de Amor.

Você usava uma blusa de gola alta; onde foi parar?
De repente o meu rosto está entre os seu peito nu,
como se ali fosse o meu ninho desde o início dos tempos.
Os meus lábios percorrem o seu pescoço, deslizam sobre sua pele,
demoram-se nos seus lábios num beijo ardente.
Estamos nus, ambos.
Como?
Não sei.

Tudo parece perder-se, esfumar-se numa neblina deliciosa e repentina;
um túnel que percorremos juntos, rumo ao coração do Universo.
O seu cheiro invade as minhas narinas, a sua pele arrepia a minha pele.
A pele encontra a pele, o cheiro encontra o cheiro, o desejo encontra o desejo,
o Amor encontra o Amor!
O mundo se dilui, o tempo pára.
Os sonhos se encontram, a Vida renasce.
Corpo e alma juntos nos encontramos em Um ao nos perdermos de nós dois.
Beijos, carícias, movimentos ritmados; a ternura encontra o desejo e, juntos,
compõem a Sinfonia do Amor.

No fogo da lareira, os nossos desencantos se queimam na fumaça que se perde no céu...

Maria Flor ჱܓ

Um comentário:

  1. que lindo Flor agora lendo de novo.. achei mais perfeito ainda..parabens.. vc é minha grande inspiração.. adoro vc amiga.. te admiro e te respeito ,muito..beijão

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