sexta-feira, 25 de setembro de 2009

"Flor da Pele"


Começou com um cheiro de terra úmida, que descobriu vir de sua própria pele.
Depois o apelo incontrolável da chuva convidando-a a purificar-se.
Por fim abelhas, perseguindo-a como se retivesse mel.
Um dia, ao acordar, sentiu-se drenada pela claridade que invadia
as frestas da veneziana.
Abriu a janela e desabotoou a camisola.
Uma margarida brotara em seu peito.
Como um animalzinho, ela inclinava o pescoço em direção à luz.
A primeira reação foi de espanto, mas ao verificar que seu colo
aquecia-se morno, ela sorriu, aceitando.
De pálpebras cerradas, o corpo era entrada.
O sol penetrava doce e intenso, e o filhote de margarida desenvolvia-se
em pétalas, caule e cor.
.
A caminho do trabalho parecia levitar,
sem qualquer esforço o trajeto desenrolava-se sob seus pés.
Adivinhava, ainda de olhos fechados, sorrisos de inefável beleza,
dando passagem à flor que rasgava o vestido.
Experimentava-se permeável à vida, sem ansiar entender-se,
à flor da pele.
.
Ao passar por uma praça, obedeceu ao impulso de enterrar-se junto
às raízes da grama fofa.
Ficou ali, alguns minutos...ou horas, como um cadáver feliz,
de abdômen para cima, fortalecendo a margarida.
O vira-latas farejou-a, a criança apoiou-se em seus seios para observar
de perto a criatura branca e amarela.
Misturava-se à superfície fértil, palpável, tal qual grão diluindo-se no todo.
Ao mesmo tempo, deixava-se contagiar por uma nova solidão,
distinguindo-a, ampliando-a, transcendendo-a: lucidez.
O céu era azul.
O mundo despia-se.
Estava à mercê das revelações.
.
Finalmente levantou-se, impregnada de pólen, entregando-se ao caminho
indicado pela flor-bússola.
Foi caminhando, ombros abertos, mãos espalmadas,
nariz alto sorvendo a manhã; distanciando-se... até o invisível.
Acreditam, alguns, que tenha desaparecido, sem vestígios.
Mas há os que aguardam, pacientemente, seu retorno:
afirmam que uma margarida no peito é coisa fragilíssima,
não dura para sempre.
Não dura...
.
.
.
Maria Flor!

Nenhum comentário:

Postar um comentário